Tenho andado todo o ano atormentada por demónios do presente e espectros do Futuro.
Passei um ano lectivo miserável, cheio de desilusões, melancolia, dúvidas, desespero, pesadelos… Um autêntico martírio psicológico que tornava as minhas manhãs nas aulas insuportáveis por ter de lá estar e as tardes intoleráveis por pensar demais em tudo.
Deprimi nas salas de aula, nos cafés, no bar da escola, em casa e, por vezes, mesmo quando saía à noite com os meus amigos. Parecia haver sempre lugar para uma lágrima no canto da minha mente.
Certo dia, na semana passada, vendo alguém chorar na televisão, reparei numa coisa há mais de um mês que não estou triste, nem desolada, nem preocupada.
Depois, ontem, ao ligar a televisão nos canais de música, encontrei uma das minhas músicas preferidas já há três anos, a Photograph, dos Nickelback. É uma música que expressa a saudade dos tempos da escola em que o cantor era um jovem rebelde que só se metia em confusões e sonhava em conjunto com os seus melhores amigos.
Ao ouvir a música e, obviamente, a sing-along (para grande tristeza dos meus vizinhos, que me ouvem a cantar todos os dias) mas reparei numa coisa, já não sentia aquela onda de tristeza arrebatadora que me costumava invadir.
Cheguei à conclusão de que acabou… Acabou-se a saudade.
Tenho passado toda a minha vida imersa numa saudade que chegava a ser dolorosa fisicamente.
Quando fui para a Bocage, fazer o 2º ciclo, senti imensas saudades dos tempos da escola primária, em que era das melhores alunas da turma, os intervalos eram passados em contacto com a Natureza, eu só brincava com os rapazes e andava a chafurdar na terra, a trepar às árvores, a comer fruta directamente colhida por nós e comida nos ramos mais altos das laranjeiras ou das nespereiras. E, para além disso, tinha saudades das tardes em casa dos meus avós, quando conversava com o meu avô Carlos, e ele me dava histórias e poemas dele para ler, me contava histórias e aceitava fazer os “trabalhos de casa” que eu o mandava fazer, quando brincávamos às “escolas”.
Quando fui para o Liceu, fazer o 3º ciclo, sentia saudades dos tempos da Bocage, das descobertas, do nevoeiro das manhãs de Inverno, de brincar no campo de alcatrão, de ler à porta das salas de aula, de ter salas de aula com uma parede toda envidraçado (desde a altura da cintura até o tecto) o que me permitia ver a rua, de ser (novamente) das melhores alunas da turma, de me interessar pelas aulas e das horas passadas na biblioteca da escola.
Quando terminei o 3º ciclo e entrei para o 10º ano, foi quando senti as piores saudades de sempre. Tinha saudades da minha turma, onde me dava quase com todos, onde tinha encontrado os meus verdadeiros amigos, dos lanches na casa da Clara depois das aulas, dos tempos passados no parque, de me sentar na última fila com a Joana Carmo e de conversarmos todas as aulas (mesmo que isso nos pusesse à beira do chumbo), de faltarmos às aulas e irmos passear até à Bocage, de passar as aulas aborrecidas de F.Q. a escrever e das aulas de Ciência e da professora São.
O 1º período do 10º ano foi uma tortura ainda maior do que a deste ano. Depois conheci a Inês e o Francisco e comecei a dar-me cada vez mais com a Téh, a Clara, a Marisa e a Sara Q. e tudo mudou. Não estava nada satisfeita com aquela turma, mas essa insatisfação alimentava a minha raiva e esse sentimento sempre foi a força da minha personalidade.
No 11º ano, tinha saudades da Inês, do telhado dela, de faltar às aulas com ela, da praia, das conversas fantásticas e surreais… Mas tinha o Francisco e ganhei o Tiago e o André e o Rodrigo e o Tiago D. Na realidade, o 11º ano deve ter sido o ano que correu melhor ao longo da minha estadia de seis anos naquela escola.
Este ano, o 12º, foi o pior de sempre, sem dúvida alguma.
Quando era mais nova, especialmente quando andava no 7º/8º, sofri imenso, ainda não tinha a minha personalidade bem definida, ainda não tinha estabelecido quais as coisas realmente importantes na vida, ainda não tinha percebido tudo o que tinha e o quão insignificantes as opiniões alheias são. A única coisa que me fazia sentir bem nessa altura, a única maneira de me afirmar, de demonstrar que não era tão má quanto me faziam passar, era a agressão. Adorava andar à pancada, por tudo e por nada. Hoje em dia, ainda sou uma pessoa que perde a paciência e se irrita e enfurece muito rapidamente, mas nada que se assemelhe com aquilo que era com os meus 13 e 14 anos.
Este ano, cheguei a ter saudades desses tempos a desejar que as coisas voltassem a ser como nessa altura. Só queria que alguém esticasse demasiado a corda comigo, para que eu me pudesse “transformar no Hulk” e espancar alguém. Isto só mostra o quão desesperada estava. Tive umas saudades terríveis daqueles que foram os piores anos da minha vida.
Ao menos nessa altura fazia alguma coisa em vez de aturar a idiotice que me rodeia.
Os últimos quatro anos foram essenciais para que a pessoa que sou adquirisse uma personalidade cada vez mais vincada e com menos incertezas. Devo isso aquela escola miserável e, claro, a toda a saudade que sempre existiu e me macerou interiormente.
Agora acabou… Acabou-se a saudade.
Foi-se… Toda ela, sem que eu tivesse de fazer o mínimo esforço.
A partir de agora, vou, finalmente, começar a realizar os projectos que planeio há tantos anos. Percebi agora que é tudo verdade… Vou-me mesmo embora, vou deixar tudo para trás e, sinceramente, não sinto que vá perder nada. Tudo o que tem valor para mim é movimentável e intemporal, não preciso de aqui ficar para manter as coisas e pessoas importantes comigo. O que amo viaja comigo.
A partir de agora, o passado não interessa mais (pelo menos não de um modo pesaroso de quem deseja que o tempo ande para trás).
Cada ano pelo qual passei até agora foi um degrau. Um degrau que formou a escada que me levou à porta que estou prestes a atravessar.
A porta já está entreaberta e já vejo uma luz e já imagino os seus mistérios e anseio pelas aventuras que me esperam do outro lado.