quarta-feira, 25 de junho de 2008

"'Screvo meu livro à beira-mágoa. "

"Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?"

"O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade. "

"(...)Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor. "

"Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura."

"Ser descontente é ser homem. "

"Tenho meus olhos quentes de água. "

"'Screvo meu livro à beira-mágoa. "

"Quando, meu Sonho e meu Senhor?"

Mensagem – Fernando Pessoa



Que seria de mim se, no meio dos meus desesperos, uma voz lenta e calma e plácida e profunda, não soasse na minha cabeça, como se o autor dos versos que recordo falasse comigo e me lembrasse do que é ser. Oh, Fernando Pessoa, quando estou muito triste, quando não me lembro de mim, quando as coisas não fazem sentido, tu dizes-me tudo o que há para ser dito.

Assim, hoje relembrei pensamentos perdidos.

Relembrei que, sem as minhas loucuras, os meus devaneios, minhas ideias bizarras, meus raciocínios estapafúrdios, sem coisas destas, eu não progrido, pois não inovo, não crio, pois não evoluo.

Relembrei que, se não visse constantemente o Futuro na minha mente, se não visse cenários, situações, pessoas, (personificações dos meus sonhos realizados), que para os outros são invisíveis, então perderia a vontade de lutar. Cada um sonha com aquilo que pensa ser recompensa suficiente para os seus actos. Alguns sonham com riqueza, alguns sonham com amor, e essas recompensas, se um dia a eles chegarem, bastarão para os realizar. Mas, para mim, "os beijos merecidos da verdade", estão na glória e no sucesso.

Relembrei que a dor que sinto, é necessária para que ultrapasse as adversidades que se prostram à minha frente e que, se a dor parece excruciante, então a recompensa ser-lhe-á proporcional. Valerá sempre a pena continuar, por mais que cada acto básico e simples do quotidiano doa.

Relembrei que aqueles que se sentem totalmente felizes não conhecem o prazer do desafio, o calor que cresce no ventre daquele que sonha com aquilo que não existe ainda, mas que acredita que virá a acontecer. Aqueles que não sonham já perderam a vontade de viver (se alguma vez a tiveram) e estão apenas à espera da morte, que os levará e eliminará a sua existência.

Relembrei que estar num constante desassossego é apanágio da condição humana. Aquele que não está descontente com nada é conformista e não tenta deixar a sua marca no Mundo.

Relembrei que não é errado nem humilhante que o criador se emocione com aquilo que criou e a que deu origem, assim como um pai se emociona com o filho. Enquanto sentir o que escrevo como se da minha vida se tratasse e enquanto desesperar com a frustração do presente e do errado, serei fiel aos meus escritos e às minhas crenças e valores.

Relembrei que não saber o que me espera é o que me guia. É o descohecimento que me orienta e que me continuará sempre a dar vontade de viver e de perguntar "Quando, meu Sonho e meu Senhor?".





Deste modo, aceitei minha dor e entendi o seguinte: por mais feliz ou satisfeita que me encontre em determinado momento, por trás da felicidade, as minhas dúvidas, mágoas, tristezas e frustrações estarão à espreita, esperando pela altura em que a alegria se começa a desvanecer, atacando-me, fazendo com que eu nunca deixe de reflectir, de sonhar e de traçar novos planos e objectivos. Quando a dor for lancinante, terei sempre os meus vícios, através dos quais faço a catarse da mágoa e, esses mesmo vícios, abandonam, então, essa denominação depreciativa, uma vez que me dão prazer e calma, tornando-se em algo bom.

Por fim, termino com o verso mais lindo da obra "Mensagem", "'Screvo meu livro à beira-mágoa. ". Apesar de desconhecer o futuro, sei que sempre escreverei até ao dia em que a minha vida mortal terminar. Sei, também, que escreverei sempre à beira da minha mágoa, quer sejam contos, histórias, romances ou poemas, pois é essa mágoa, quer minha, quer de outrem, que me inspira, que me eleva, que me faz reflectir, que me faz criar, que me mantém viva, que faz com que, a cada lufada de ar que inspiro, tenha vontade de continuar e de lutar.

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