terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Like Eating Glass

Carlos conduzia rápida mas cuidadosamente quando o seu telemóvel tocou. Como sempre, hesitou entre atender ou não, mas, ao pegar no telemóvel e ver o nome Constança aparecer no visor, decidiu-se pela primeira opção.

- Estou?

- Onde estás?

- Estou quase a chegar, mais uns dez minutos e devo passar o cruzamento.

- Sabes, sou mais louca do que tu pensas…

- O quê?

- Sou até mais louca do que eu própria pensava. Quer dizer… eu acho que sempre soube mas tentava negar o quão doida sou…

- Constança, mas que raio se passa?

- Nunca te contei mas… Às vezes acontece-me começar a imaginar coisas, cenários e acontecimentos dentro da minha mente, e essas fantasias chegam a ser tão reais que surgem no meu cérebro vindas do nada e não paro de as imaginar durante dias ou mesmo meses…

- Ó, ó, ó, Constança! Sinceramente, achas que…

- Ultimamente tenho andado a imaginar que tu me vens visitar e tens um grande acidente no caminho…

- Deus nos livre, rapariga! É só por isso que estás assim? Estás preocupada porque achas que vou ter um acidente?

- Não te rias… Sei que estás a sorrir, estás a usar a tua voz “politicamente correcta” e aposto a minha vida em como estás a fazer o teu sorriso “politicamente correcto”. Ouve-me até ao fim… Depois do acidente, ficas em estado crítico e levam-te para o Hospital, encontram a minha morada entre as tuas coisas, descobrem o meu número, telefonam-me e explicam-me o que aconteceu. Eu vou a correr para lá, obviamente, e encontro-te, moribundo, numa maca do Hospital. Sabes como odeio tudo o que tem a ver com hospícios… Mesmo assim, salto para cima da maca, perdida em lágrimas, e tento abraçar-te. Tu dizes-me “Não era este tipo de visita que querias cá, pois não?” e ris-te. Eu peço-te para não falares, para tentares descansar e tu dizes “Há pessoas tão imbecis que só confessam o que sentem quando sabem que estão perto do fim”. Eu garanto-te que não estás perto do fim e tu pedes-me que não te minta porque sempre fui aquela que te dizia a dura verdade. Eu choro mais e abraço-te com mais força e tu ficas ainda mais ciente de que a morte se aproxima. Depois dizes “Eu sempre gostei de ti, mais do que tu podes pensar…” e morres, deixando-me ali, mais só e desesperada que nunca.

- Ouve… Eu percebo que isso te ande a perturbar, mas tens de perceber que todo o conteúdo desse sonho, ou fantasia, ou como quiseres chamar-lhe é patético. Para além disso, não passa de um produto da tua imaginação.

- Hum… Essa é a parte de ti que sempre desprezei acima de todas as partes menos boas que tento ignorar por seres tão meu amigo, o facto de não dares importância nenhuma à imaginação e não compreenderes porque é tão importante para mim.

- Constança… Por amor de Deus…

- Não, Carlos, deixa-me falar! Tenho de falar agora, tenho de arrancar as palavras que estão presas dentro de mim como se fossem pedaços de vidro que tivesse engolido de que cada vez que neguei a verdade. Realmente, há pessoas tão imbecis que só confessam o que sentem quando sabem que estão perto do fim.

- Constança…

- Sabes, eu sempre gostei de ti. Muito, muito mais do que tu podes pensar…

Ao ver o carro de Carlos aproximar-se do cruzamento, Constança avançou com o seu próprio carro, posicionando-o minuciosamente, de modo a que ele não pudesse evitar embater contra ela.