sábado, 27 de dezembro de 2008

O Voo de Anita

Tudo o que Anita queria era um momento puro e completo de total felicidade, um momento de recompensa por tudo quanto já tinha sofrido e, de repente, conseguiu tudo aquilo por que ansiava e muito mais.

As asas que construira com as farripas dos seus sonhos e que unira com a argamassa feita do sangue e das lágrimas que derramara durante a sua vida permitiram-lhe que voasse e fosse mais alto do que nunca.

Quando chegou à colina da recompensa por que sempre ansiara, explodiu num misto de êxtase e incredulidade ao ser invadida pela Felicidade e deixou a sua alma planar livremente por entre as despreocupações.

Depois, durante um breve momento que pareceu uma eternidade numa câmara de tortura mais horripilante do que tudo aquilo por que já passara, sentiu que aquele contentamento permanente não fazia sentido e ficou imóvel e aterrorizada até que a sua companheira de longa data, a Mágoa, veio prestar-lhe uma visita, trazendo consigo a Melancolia e a Dormência.

Sentiam saudades de Anita e sabiam que, por baixo da ilusão da Felicidade e da Paz, existia um buraco negro que crescia dentro da sua alma, um espaço vazio que aumentava sem a presença daquela tristeza inerente à sua existência.

Ela voltou a sentir o peso da sua cabeça e deixou-a cair sobre as mãos, enquanto voltava a ouvir o seu coração a bater com o ritmo forte de uma possante bateria, como se as suas entranhas cantassem uma música triste, como se cada tendão do seu corpo fosse a corda de uma guitarra que gemia em sofrimento. Sentiu os seus olhos humedecerem doce e fecundamente, como um rio se liberta por detrás de uma represa. Desprendeu-se deles uma única lágrima, cristalina como a água da nascente mais pura.

Bastou uma lágrima. Uma singela lágrima fez o seu cérebro confundir e emaranhar os milhões de ideias que surgiram dentro de si.

Anita levantou a cabeça e limitou-se a sorrir, sentindo-se de novo ela própria, mostrando o seu sorriso à Mágoa, à Melancolia e à Dormência, dando-lhes assim permissão para se voltarem a unir a ela. Em seguida, ergueu-se determinadamente e, lançando um último olhar à Felicidade, murmurou:

- A verdade é que tu não me completas, não me basta ser só feliz, preciso da minha dor…

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