I
Cresci e metamorfoseei-me imenso desde então.
Lembro-me tão bem de ti, de quando te dava a mão
Para te ajudar a caminhar… lembro-me e tenho pena…
Pena de que já cá não estejas, pena de já não te abraçar
Porque foste, és e serás grande parte de mim.
Desde pequena que te ouvia desejando o teu fim
Mas quando este chegou, será que deixaste de ansiar?
Onde quer que tu estejas, lembras-te da tua neta?
Lembras-te de quando nos sentávamos no sofá
E me pedias para te ler? Ralhavas por ser irrequieta
Mas sei o quanto o adoravas. E as nossas discussões?
Lembras-te de quando berrávamos e dizíamos “és má!”?
E quando te levava ao hospital? Oh! Quantas aflições…
II
No meu décimo ou decimo primeiro aniversario mos deste,
E, enquanto os desembrulhava, tu, muito feliz, me disseste
O quão brilhantes eram, com aquela tua lânguida e lenta voz.
Não gostei de os ter recebido, na altura queria outro presente.
Tentei lê-los, maior esforço não me poderias ter pedido.
Desde pequena que sempre adorei ler, lia quase de tudo, era sabido,
Mas aquelas longas descrições, para me cativar, não foram suficiente.
Tenho pegado imenso neles, sabes, de há um ano para cá…
E afeiçoei-me às histórias do nosso Eça de tal maneira,
Que quando não tenho nada para fazer subo para o sofá
Tentando alcançar a prateleira, e os livros cheios de pó.
Depois escolho uma obra, e sento-me a tarde inteira
E ao ler, penso em ti, recordo-te, minha querida avó.
III
E penso que é por isso que nos dávamos tão bem!
Lembro-me de aproveitarmos as horas que a noite tem
Para conversarmos, deitadas, dando as mãos.
Foste a única pessoa com quem conversei noites inteiras,
Noites apenas interrompidas pela pausa da ceia.
Contaste-me quase toda a tua vida, que foi cheia
De peripécias. Éramos duas coscuvilheiras.
Sou capaz de relembrar teu cheiro perfeitamente,
Sou capaz de sentir o teu corpo encostado ao meu,
Enquanto te queixavas do meu avô ter sido ateu,
Ou enquanto dormias, ressonando ruidosamente.IV
Quem sempre auxiliou os meus desfavorecidos pais.
E eu estive contigo, na doença, apartando teus “ais”,
Enquanto me davas, inconscientemente, uma lição.
Foste tudo menos perfeita, todos o sabemos.
E para a minha mãe foste mais do que cruel,
Ela nunca conhecerá o amor de mãe, eras como fel,
Amarga e nós nunca o esqueceremos…
Foste contra o casamento dela, o meu pai era plebeu
E não se podia juntar a uma filha do Luís Nunes.
Mas os teus impedimentos ela ignorou e esqueceu
E juntos deram origem à pessoa que escreve agora.
Pouco antes de morrer, percebeste como os unes
E pediste perdão pelos teus comportamentos de outrora.
V
Eras católica mas todos os mandamentos ignoravas,
Foste linda e disso te serviste, muitos dizias que “amavas”…
Usaste sempre os homens com o teu poder triunfal.
Mas isso sempre soubeste não me incomodar,
Aliás, é capaz de explicar muito acerca de mim.
Juntas, éramos uma trupe, fazíamos um chinfrim
Que ninguém neste universo conseguia superar.
Em suma, tenho saudades tuas, da tua presença,
Da companhia que me fazias e que eu te fazia.
Éramos uma para a outra, constante desavença,
Constante tormenta, constante amizade!
Se pudesse pedir um desejo, então pediria
Que todas as crianças tivessem tal irmandade!
1 comentário:
Catarina, Catarina, Catarina! Irrita-me ter que viver com a ideia de que um dia os meus entes queridos vao partir! Irrita-me saber que um dia ja nao os vou poder abracar, beijar, acarinhar. . irrita-me nao saber quando e' que isso vai acontecer! Mas, o que mais me irrita, e' nao estar preparada para isso! Existe tanta coisa ainda por dizer, tanta coisa por fazer, que acho que se perdesse alguem proximo agora me iria muito abaixo! Mas sao amigas como tu que me fazem pensar que quando alguem tiver que partir, eu sou dotada da capacidade de recordar! De recordar um carinho qualquer, uma chamada de atencao, um abraco, um conselho, sou capaz de recordar tudo! Admiro bastante a tua capacidade de recordar! Amiga, Obrigado!
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