terça-feira, 13 de novembro de 2007

Génioooo!!!


Mário de Sá-Carneiro

“Primeiros Contos” – “O Incesto”


"(…) Se a pena corria veloz negrejando as folhas banais de almaço pautado, o dramaturgo esquecia a vida, esquecia-se da sua dor.

Oh! A alegria inefável de vermos os nossos pensamentos tomar forma, de irmos vendo alinharem-se pouco a pouco as palavras que os traduzem e depois, de lermos em voz alta a página escrita, batendo bem as sílabas, para emendarmos o que soar mal, polindo aqui uma frase, alem outra frase, até conseguirmos o perfeito ritmo! E um capítulo que termina, um acto de que se escreveu a ultima réplica sobre a qual o pano há-de cair bruscamente, um período rutilante, bem equilibrado, sonoro, onde pusemos todo o nosso amor, toda a nossa alma… E tudo isso saiu do nosso cérebro; tudo isso é nosso, é bem nosso! Fomos nós que o criámos. Se não fôssemos nós, não existiria!

Um artista pode sofrer muito, ser muito infeliz até à morte. Acredito mesmo que entre os artistas se enfileirem alguns dos grandes desgraçados da terra. No entanto, na desventura dum artista – por amarga que ela tenha sido – brilhou sempre um raio de sol. A sua desgraça não foi com certeza a duma existência vazia e desoladora – que é a maior e mais real miséria deste mundo.

O prazer de criar avantaja-se a todos. Em frente da arte, o artista esquece. A sua dor, se não se cura, suaviza-se pelo menos. A arte é um refúgio. Eis a sua única utilidade – digamo-la baixinho: Se não fossem os belos livros da minha estante e as páginas de má prosa que escrevo de vez em quando, há muito que eu teria dado talvez um tiro nos miolos.

Nas suas grandes dores, que são uma guloseima negada ou um puxão de orelhas, a criança refugia-se junto dos seus brinquedos, e abraça-os e beija-os. O artista, na sua angústia, consola-se com a sua arte. É que a arte, é também no fundo um «brinquedo». Os homens são crianças eternas.

Escrever histórias, meus amigos, não é seguramente o melhor emprego que se pode dar aos anos da nossa vida. Eu digo isto e escrevo histórias. Desbarato tempo? Sem duvida. Mas gosto muito de escrever histórias. Acima de tudo, devemos fazer aquilo de que gostamos.

- É o que toda a gente faz! – Gritam-me.

Perdão. A maior parte da gente faz um grande número de coisas que não gosta de fazer e que podia muito bem deixar de fazer. Mas fá-las porque toda a gente as faz: Ninguém se deita as oito horas da noite. Eu, quando me apetece deitar-me a essa hora, deito-me. Os outros não o fazem, mesmo que tenham muito sono, simplesmente porque ninguém se deita as oito horas. Eis uma das poucas coisas de que me posso orgulhar na minha vida: Nunca fiz nada que não gostasse de fazer e que pudesse deixar de fazer."

1 comentário:

Anónimo disse...
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